A Contratação do Trabalhador na Campanha Eleitoral: Reflexões Acerca da (In)Constitucionalidade do Art. 100 Da Lei Nº. 9.504/97


Dispõe o art. 100 da Lei 9.504/97: “ A contratação de pessoal para prestação de serviços nas campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício com o candidato ou partido contratantes”. Explicando: esse artigo afasta a incidência do Direito do Trabalho em uma determinada relação de labor formada durante e para as campanhas eleitorais ao excluir expressamente a possibilidade de formação de vínculo empregatício.

Referido dispositivo coaduna-se com a Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB, especificamente, com os princípios da isonomia e da não discriminação, bem como com as normas e princípios atávicos ao Direito do Trabalho? 

Coaduna-se, ainda, com a noção de bloco de constitucionalidade? Sob outro enfoque, é crível norma infraconstitucional, tal como o faz o citado preceito, inviabilizar legalmente a possibilidade de formação de vínculo empregatício, e, consequentemente, a incidência das normas tutelares juslaborais?

Questionamento outro deve ser levantado: em caso de contratação de trabalhador na campanha eleitoral, quem é o real empregador? Candidato e partido político são empregador único, com base nas regras de filiação partidária e, como tal, devem responder solidariamente pelas verbas trabalhistas?

Esses problemas reverberam o objeto do presente estudo, que se mostra relevante, sob o ponto de vista dogmático, na medida em que promove enfrentamento e reflexão sobre a questão da zona limítrofe entre os campos dos saberes jurídicos, in casu, entre o ramo Constitucional, Eleitoral e Trabalhista, além, é claro, de perpassar pelos pressupostos configuradores da relação de emprego.

Sob outro enfoque, desta vez o prático e social, o relevo consiste no fato de milhares de trabalhadores desempregados, os chamados “ cabos eleitorais”, com o advento das eleições, serem contratados para as campanhas e não perceberem os direitos sociais trabalhistas, em desrespeito ao teor do art. 7º e incisos da CRFB, e as demais normas e princípios constitucionais e trabalhistas.

Por oportuno, releva apresentar esses trabalhadores, que podem ser contratados para as mais diversas funções: desde entregar “ santinhos”, empunhar bandeiras, dirigir caminhões, serviços gerais no comitê até coordenar campanhas, realizar atividades publicitárias e jornalísticas. Enfim, todos os trabalhadores contratados para dar suporte logístico, técnico, especializado ou não, durante e para a campanha eleitoral, são atingidos (discriminados?) pelo citado dispositivo legal.

Salienta-se que, caso esses trabalhadores já tenham configurados vínculos empregatícios anteriormente às eleições, quer com o partido quer diretamente com o candidato, a relação permanece intacta, não havendo, por óbvio, rescisão contratual pela simples circunstância do advento das eleições. 

De bom alvitre mencionar, ainda, que, mesmo antes da promulgação da Lei 9504/97, o reconhecimento do vínculo empregatício entre os trabalhadores contratados durante a campanha eleitoral não se mostrava pacífico na jurisprudência pátria.

Em alguns casos, eram afastados os vínculos sob o insubsistente argumento de que a relação estabelecida é cunho político-partidário, ideológico, pois. Em outros, pela ausência de exercício de atividade econômica pelo partido (ou candidato), ou seja, por não considerá-los empregadores, no molde estabelecido pela CLT. Mas, na maioria das hipóteses, eram afastadas as configurações da relação de emprego sob os fundamentos de faltar alguns dos elementos elencados pelo art. 3º da CLT, seja tratar-se de prestação de serviços eventual, por não haver subordinação jurídica, seja ainda por falta de onerosidade.

Há também a tese desenvolvida por JOÃO AUGUSTO DA PALMA, segundo a qual não há relação empregatícia, independentemente de restarem comprovados os pressupostos dessa relação, por se tratar de contrato de trabalho impossível, vez que a lei impede expressamente o reconhecimento do vínculo. Igualmente são encontrados na doutrina os freqüentes discursos vazios e flexibilizadores do Direito do Trabalho, no sentido de que a desregulamentação dessa relação propicia o incremento na contratação de trabalhadores no período eleitoral reduzindo, consequentemente, o desemprego.

Nítida a opção do legislador constituinte brasileiro em valorizar o trabalho humano e colocá-lo no centro da estrutura do Estado democrático de Direito, optando pelo labor subordinado como forma preferencial para promover a dignidade do trabalhador.

Com base no conteúdo jurídico do princípio da igualdade e da isonomia, bem como na ideia de bloco de
constitucionalidade, não está autorizado o legislador excluir empregados do manto tuitivo do Direito do Trabalho, sobremaneira quando não houver razoável justificativa de matiz constitucional para tal.

Sob esses fundamentos, insofismável a inconstitucionalidade do art. 100, da Lei 9.504/97, que afasta a possibilidade de formação de vínculo empregatício entre o candidato e o partido político com o cabo eleitoral.

Referido dispositivo erigiu-se em elemento igual, atribuindo tratamento discriminatório e, via de conseqüência, injusto. Inculcou tratamento dispare, sobremaneira, efeitos jurídicos desuniformes, para situação idêntica, qual seja relação empregatícia.

Além desses argumentos, o citado dispositivo é manifestação clara do exercício do poder político de forma tirana, em benefício próprio governante, uma vez que tal medida legislativa possui o nítido condão de eximir partidos políticos e candidatos dos encargos trabalhistas e previdenciários decorrentes da contratação do trabalhador na campanha eleitoral.

Desta maneira, acertada a decisão do Pleno do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, por unanimidade, em recente julgamento sobre a matéria (09.03.2009), nos autos da ArgInc 00058.2009.000.23.00-4, que declarou inconstitucional o art. 100 da lei 9.504/1997, por ofensa aos seguintes dispositivos constitucionais: artigos 5º, caput; 1º, IV; 170, caput e inciso VIII e 193.

Ademais, concluiu-se que os partidos políticos e os candidatos são empregadores, independentemente de terem ou não finalidade lucrativa, sempre que contratarem, assalariarem e dirigirem a prestação pessoal de serviços, nos termos do art. 2º da CLT. Sendo que, a contratação do trabalhador durante e para a campanha eleitoral poderá ser feita através da celebração de um pacto a prazo (art. 443, §§ 1º e 2º, da CLT), por ajustar-se a noção de serviços transitórios, bastando que tal condição seja anotada na CTPS do empregado no prazo de quarenta e oito horas (art. 29, CLT).

Quanto à vigência, ela pode ser determinada por termo prefixado (por exemplo, final da campanha ou data da eleição); execução de serviços especificados (por exemplo, elaboração das diretrizes publicitárias da campanha); ou ainda certo acontecimento suscetível de previsão aproximada (por exemplo, vitória ou derrota do candidato, no primeiro ou no segundo turno das eleições).

Baseando-se nas regras de filiação partidária e perda do cargo por desfiliação sem justa causa, Resoluções nº 23.117, de 28.08.2009, e Resolução nº 22.610, de 25.10.2007, ambas do Tribunal Superior Eleitoral, conclui-se que candidato e partido beneficiam do labor do empregado contratado durante e para a campanha eleitoral. Desta maneira, candidato e partido político são considerados empregador único e, como tal, devem ser responsabilizados solidariamente pelo contrato de trabalho do empregado, inclusive pelos créditos trabalhistas, previdenciários e decorrentes de doença ocupacional ou acidente de trabalho.



Autor: CAROLINA PEREIRA LINS MESQUITA - * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010